Invisível

15:08

Imagem via Pinterest


Mais um café do outro lado da rua. O mesmo atendente, as mesmas pessoas, o mesmo cheiro, aquele falatório. Esse lugar virou para mim uma segunda casa, apesar de gostar tanto dos meus silêncios. Esse barulho que encontro nesse lugar me faz sentir que tenho vida.
Em meio a tudo, também vejo você.

Como boa observadora, nessas tantas vindas aqui, observei você. Desde então me aquieto em um lugar que possa te observar e passo longos minutos entre um gole e outro de café, entre uma garfada e outro no bolo quentinho da manhã. Sempre ocupado entre jornais, tablet e celular, um semblante preocupado. Tento imaginar a bagunça que você está metido e que precisa arrumar. E nessa imaginação, fui além e criei sua história, seu trabalho, sua família, seus encontros. Simplesmente me deixei imaginar e aos poucos passei a querer sua presença ao meu lado. Que loucura! Não sei explicar exatamente o quê mas algo em você é tão familiar. 

Daqui, observando seus gestos e passos, também percebi que ninguém mais parece lhe notar. E aos poucos percebi também que ninguém me nota. Somos invisíveis. E sendo invisível, então, continuo nessa minha sina de lhe falar apenas em pensamento. Queria lhe dizer muitas coisas, e dentre elas que possa aproveitar seu café da manhã sem essa parafernália toda. Coma em paz, por favor, o trabalho não é tudo. Vez ou outra também olhe em volta, experimente receber todo 'bom dia' que tem desperdiçado simplesmente porque apesar de estar em um dos melhores lugares pra se tomar café, você está lá fora, no mundo, e não é capaz de perceber nada ao seu redor.

Em silêncio, falo todas essas coisas e resolvo ousar me levantar e ir até a sua mesa. Caminho a passos lentos, respiro mil vezes, paro e tento voltar, mas quero continuar. Me aproximo, me atrapalho em minha próprias pernas e esbarro em você, quase derrubando tudo. Você me olha e pergunta se está tudo bem, e tudo o que quero é sair correndo - o que não demora muito e tão logo faço. Você apenas observa e eu continuo indo, tentar me esconder, encontrar uma saída. Lembro que deixei minhas coisas na mesa e volto, de cabeça baixa. Dessa vez quero ser invisível, desejo qualquer desses superpoderes só pra passar, pegar minhas coisas e sair correndo. 

No banheiro, olho no espelho, lavo o rosto, respiro algumas vezes e encaro a porta. Hora de voltar. Me apoio em pingos de coragem que ainda me restam e finalmente volto. Mas ao abrir a porta encontro você, de pé, preocupado. (Conheço esse semblante, de tanto observar). Tento pedir desculpas, mas gaguejo e as palavras não saem. Acho que desaprendi tudo. Você toma a iniciativa e me pergunta se tá tudo bem. Arrisco e afirmo apenas com a cabeça que sim, está tudo bem. O coração a mil sinaliza que quero ficar, mas preciso ir. Inesperadamente você resolve me dizer que sempre me vê ali, e me chama pra tomar café. Ainda me atropelando com as palavras, deixo-me sorrir e aceno aceitando o convite.

Nesse dia, descobri que não era assim tão invisível assim, e que nos notávamos em silêncio e observávamos um ao outro diariamente, mas muito secretamente. Que ironia essa vida.



Acordo e ao olho ao meu lado. Vejo você dormindo tranquilamente. Não encontro mais aquele semblante preocupado. Sonhei com nosso primeiro encontro e parece que ele nunca deixou de acontecer, desde aquele dia. A cada novo dia ao seu lado, revivo o primeiro instante em que percebi que não há invisibilidade capaz de não permitir encontros como esse tão nosso. Em silêncio agradeço por ter você comigo e volto a dormir, entre sorrisos e suspiros, certa de que foi e é amor, desde que nos esbarramos.




Magda Albuquerque

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